segunda-feira, 19 de julho de 2010

Revelando-me III

Sabe? Não gosto do significado dado ao verbete Narcisismo - "homem muito vaidoso; amor mórbido por si".
É humano ser narcisista, é revelador, é amor a mim e a você, e a Deus - sou criatura à Sua semelhança.

Tá bom, religioso demais, é influência do Padre José, minha personagem na peça "A Igreja bem assombrada", de Jomar Magalhães. Mas vale mesmo esse auto-amor, auto-tesão, auto-admiração. Gosto do meu corpo. Tá legal, a barriguinha que cresce não é linda, mas também não incomoda, não cego nem neurótico. Jamais faria plástica pra mudar algo, não faria absolutamente nada em mim. Também não digo que sou um deus, mas entendo o narcisismo não só externamente. A auto-apreciação é também no jeito de ser. Assumir, pra mim, a beleza da minha voz (como fiz no último post) é uma atitude narcisista; admirar um artista, reconhecer-se nele, é narcisista. Admiramos o outro pelo que reconhecemos, muitas vezes, de semelhante conosco, isso é narcisismo.
Natural. Não procuramos a diferença, fugimos dela, embora a mesma nos proporcione reflexão e crescimento.
É importante que entendamos narcisismo não como egocentrismo - centro do universo - mas como a simples apreciação de si; também não o amor mórbido referido ao verbete. Penso ser leviano, até, fechar a significação da palavra, Narciso apenas viu o que lhe era dito, pôde admirar em si o que tantos admiravam.
Ou é apenas um conto moral gay greco-romano:

"Versão arcaica

Esta, uma versão mais arcaica do que a contada por Ovídio nas suas Metamorfoses, é um conto moral no qual o orgulhoso e insensível Narciso é punido por ter desprezado todos os seus pretendentes masculinos. Pensa-se que era um conto de aviso dirigido aos rapazes adolescentes. Até recentemente, a única fonte desta versão era um segmento em Pausânias (9.31.7), cerca de 150 anos após Ovídio. Contudo, um relato muito parecido foi descoberto entre os papiros de Oxyrhynchus em 2004, um relato que antecede a versão de Ovídio por pelo menos quinze anos.
Nesta história, Amantis, um jovem, amava Narciso mas era desprezado. Para se livrar do chato Amantis, Narciso deu-lhe uma espada de presente. Amantis usou essa espada para se matar à porta de Narciso e rogou a Némesis que Narciso conhecesse um dia a dor do amor não correspondido. Esta maldição foi cumprida quando Narciso ficou encantado pelo seu reflexo na lagoa e tentou seduzir o belo rapaz, não se apercebendo de que aquele que ele olhava era ele próprio. Completando a simetria do conto, Narciso toma a sua espada e mata-se por desgosto
Diferentes versões da história dizem que Narciso, após desdenhar os seus pretendentes masculinos, foi amaldiçoado pelos deuses para amar o primeiro homem em que pousasse os olhos. Enquanto caminhava pelos jardins de Eco, descobriu a lagoa de Eco e viu o seu reflexo na água. Apaixonando-se profundamente por si próprio, inclinou-se cada vez mais para o seu reflexo na água, acabando por cair na lagoa e se afogar."
http://pt.wikipedia.org/wiki/Narciso

Esse conto moral apenas prova, e qualquer uma de suas versões, que há uma cultura de não valorização de si, de suas aptidões próprias. Há um falso moralismo, uma falsa modéstia afim de castrar o outro. Não há nada mais violento como, aprendei isso no blog da cantora Marina Lima, IMOBILIZAR o outro, e isso, nossa pseudo-cultura-educação o faz muitíssimo bem. Sem contar a nossa religião que trabalha sobre a culpa.
Acabo como comecei: é humano ser narcisista, sou criatua à Sua semelhança.

11 comentários:

mentira disse...

Nada de falsa modéstia, nada de falso pudor...Sê belo,sê verdadeiro, sê inteiro...Essa,a maior beleza.
Nada de "apreciar com moderação". Embriague-se, mas não se perca de si.

Um bjo e obrigada pela visita

Anônimo disse...

Nem cego às próprias qualidades, nem tomado pela vaidade que cega. Entendo claramente o que você diz. Sobretudo quando fala de uma cultura em voga que sinaliza o seguinte: "não devemos ressaltar nossas virtudes". No futebol, inclusive, se diz: é preciso ter "humildade". Falso discurso, claro, sobretudo se lembramos que o Pelé fala de si mesmo sempre na terceira pessoa, como se fosse outro e não ele (é a tal da imagem refletida, revelando a própria oculta vaidade). Isto porque, no Brasil, dizia o Tom Jobim, "sucesso é ofensa pessoal" e quem, portanto, não se envergonha de si é considerado arrogante. O brasileiro, aliás, se orgulha dele mesmo somente quando a seleção é vitoriosa. No mais, estranhamente, se envergonha do vastíssimo e precioso tesouro cultural e humano deste lindo país. Necessário narcisismo, você tem razão, pra combater o complexo de inferioridade e a "síndrome do coitadinho". Precisamos admirar nossa imagem, sobretudo se pensarmos noutras questões interessantes que você destacou: o outro sou eu mesmo, o semelhante, à imagem de Deus criado. Nele habita e também em mim o próprio Deus. São constatações que nos MOBILIZAM, enquanto indivíduo e nação e nos encaminham a direções seguras: o outro e nós mesmos.
Obrigado pelo texto e a reflexão.
Parabéns.

s a u l o t a v e i r a disse...

Obrigado Tianne, tenho mesmo sido o mais verdadeiro possível, inteiro. Embriaguemo-nos de nós.
Bjus.

carmen silvia presotto disse...

Saulo, que boa reflexão e isso já é narcisismo, hehehe, mas o que desejo dizer é: para acatarmos as diferenças, primeiro temos que nos reconhecer nos outros e aí, concordo, inteiraMente contigo, é muito humano ser narcista.

E de eus a mim, a muitas inflexões, reflexos pronominais para seguirmos humanos por demais humano.

Um beijo grande e que bom quando as palavras e os pensamentos de outros fazem ECO à nossa alma!!!

Carmen Silvia Presotto
www.vidraguas.com.br

Canteiro Pessoal disse...

Saulo 'Taveira'. Uma excelente partitura que exprime, e conduz-me numa leitura/re-leitura minuciosa, onde o encéfalo precisa passar por uma renovação da mente. Aprecio muito a arte de entrar no sujeito, um passo para que conheçamos nossas entranhas, rasgando a pele, e as camadas retiradas. E que através do olhar de sangue, jorra-se vomitar de si, assina-se com uma caneta de pena especial, a regeneração; mudança no curso do rio da vida, que marca o antes e o depois [amadurecimento]. É com primícia, que te agradeço por me permitir através desta definição do 'revelar-se [me III], caçar ainda mais em mim e nos outros, o além de uma foto; a busca dentro da figura armada na pose, o por trás de um sorriso travado, do gesto congelado. Entender olhos. Reconhecer olhos reais. Olhos não petrificados, nem forçados, nem medidos. Olhos que avisam: - Olhe bem fundo ! E no íntimo dessa pose, praticamente, caçar com curiosidade, sensibilidade, um terreno fundo, profundo e distante, e me encontrar na tela do incomum. Amo muito uma fala de Morim que, (...) para transformar a instituição, temos que reformar as mentes, mas não pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições.

Abraços.

Priscila Cáliga

Patrícia Gonçalves disse...

É interessante o conto do Narciso, O que nos move? "Na verdade, o que nos move é a nossa eterna busca por nós mesmos, aqui a partir de referencias externas. A busca se revela efetivamente interessante, a partir do momento que o que nos fascina no outro é a nossa semelhança, a possibilidade do nosso reencontro, nos interessamos por nós mesmos, enquanto no outro. Por que será que precisamos de referências externas, por que precisamos de espelhos? É interessante gostar do outro quando o outro se revela tão próximo de minha imagem."

Moço, esse comentário foi parte de um texto meu falando de relações virtuais e nossa busca no outro, menciono narciso no texto, acho que não destoou muito da discussão.

beijo grande

s a u l o t a v e i r a disse...

Carmen, obrigado.
Sempre humana, amiga.
Reconheçamo-nos.
Beijo.

s a u l o t a v e i r a disse...

Canteiro Pessoal.
Minha luta é mesmo invadir minhas entranhas, rasgar minha pele, retirar as camadas, quebrar as máscaras. Basta de congelamento instantâneo à luz do flash.
E observe, a maioria das máscaras deixa os olhos à mostra, não só para que os olhos vejam, mas também pra que vejamos (reconheçamos) os olhos (olhar)

Beijos, obrigado por me ajudar e participar de minhas descobertas.

s a u l o t a v e i r a disse...

Patrícia, gatona.
Não destoou nada. É perfeito, essa incessante busca de si no outro é, não só porque os "dispostos se atraem", como também a necessidade da não solidão, da aceitação-aprovação.

Obrigado pela sempre Cia.

Bjus.

Willmoraes disse...

Então tá Narcisista!!
rsrsr

s a u l o t a v e i r a disse...

William, todos somos. rsrs Não só os artistas.